Estranhamente
à noite é pior. Sinto mais a tua falta, penso mais no que poderia ter sido mas
nunca foi e no que poderá ser amanhã quando um novo sol raiar, consoante o que
eu decidir hoje.
Não
consigo arranjar bons conselhos, boas razões para seguir este ou aquele
caminho, terei de esperar pelo momento certo para estupidamente fazer uma
escolha a quente, sob pressão.
É
a noite que nunca te deixa partir. Parece querer aproveitar mais uns momentos
contigo antes de se despedir por agora. Ela compete comigo, trava uma batalha
desigual com a vitória assegurada; não conheço as suas armas mas ela conhece a
minha única forma de te fazer importar: o fingimento. Nunca a deixei vencer sem
luta, nunca desisti; ela sempre saiu vencedora por mérito próprio, mas creio
que chegou a noite derradeira, aquela que me fará desistir; a quem entregarei
os pontos até aqui conquistados e partirei sem os despojos a que teria direito.
Seria, no entanto, uma mudança tão drástica que nem mesmo a própria noite
perceberia o porquê, nem eu lho saberia explicar…venceste!
Ah,
noite malvada que me deixas desperta sem ter para onde fugir, que me deixas de
costas voltadas para o amanhã e refugiada naquilo que são pensamentos outrora
demasiado racionais. Não te devia ser permitido seguir livre cometendo todos os
crimes que de boa vontade perpétuas pelas nossas consciências. Sei de um
planeta onde o sol te suplanta, onde duras apenas um décimo, onde quase não és
relevante; planeio mudar-me para lá mas nem isso posso fazer sem a tua permissão.
Dizem-me
que ages sozinha, que não és um fantoche nas mãos do mundo, se assim for por
que então te comportas como se tudo o resto fosse irrelevante perante os teus
morosos trabalhos de desconstrução de um fingimento, uma negação que durou dias
a criar?
Não
aceitas requerimentos por escrito, nem sequer me ouves quando pela minha
imaginação te peço para adiar o nosso encontro. Não te sei influenciar, segues
as tuas próprias regras e não me concedes nenhuma liberdade sumária. Não sei
porque ainda sinto que te devo algo, que preciso que me envolvas no teu manto
de escuridão e esquecimento e me ajudes a moldar aquilo que serei amanhã
durante o dia até que me venhas visitar outra vez sempre sensivelmente doze
horas depois da visita anterior.
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