quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Amizade I


Quantas pessoas te amaram? Quantas amaste? Quantas desperdiçaste no amor que não tiveste? Porque não basta ser amigo, há que saber sê-lo também – prestar atenção, ter o instinto do que é conveniente e amável.

A amizade é coisa da juventude, quando se tem vitalidade que transborda livremente de nós. E é para a vida inteira. Mas a vida separa-nos e fica uma amizade remissa como um livro que temos na estante e poderemos um dia folhear.

Amizades na idade adulta têm quase sempre outros ingredientes – a politica, a literatura e assim. São as que se rompem mais depressa e dão às vezes ódios até à morte. E chegados a velhos, a amizade é um encosto, uma bengala em feitio de gente. São os amigos dos jardins, talvez dos asilos, talvez apenas de um hábito que nos ficou de não sabemos quando. Aliás, a memória de como as coisas começaram perde-se muitas vezes. Há pessoas com quem cortámos relações e que ainda estão cortadas, mas já não sabemos porque é que o corte aconteceu. A maior amizade é enfim a de duas pessoas que se sentam num café ao lado uma da outra sem já nada dizerem. E, em variante, o caso de um velho casal que se troca uma palavra de dia ou de noite, é para se injuriarem. Seria um erro pensar-se que se não amam. Amam de verdade, que o amor é muito engenhoso nas suas formas de ser. E tanto assim é que, se um dos dois do casal se passa para o outro lado, o que fica faz normalmente logo as malas e passa-se também.

Quantas pessoas te amaram e tu amaste? Pensa. Porque se o souberes, terás talvez sabido por inteiro a tua verdadeira biografia.

Vergílio Ferreira

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