terça-feira, 27 de março de 2012

A pele que há em mim - JP Simões e Márcia


Quando o dia entardeceu
E o teu corpo tocou num recanto do meu,
Uma dança acordou e o sol apareceu
De gigante ficou, num instante apagou
O sereno do céu.
E a calma a aguardar lugar em mim,
O desejo a contar segundo o fim.

Foi num ar que te deu e o teu canto mudou
E o teu corpo do meu uma trança arrancou
E o sangue arrefeceu e o meu pé aterrou,
Minha voz sussurrou: O meu sonho morreu.

Dá-me o mar, o meu rio, minha calçada.
Dá-me o quarto vazio da minha casa.
Vou deixar-te no fio da tua fala.
Sobre a pele que há em mim tu não sabes nada.
Quando o amor se acabou e o meu corpo esqueceu
O caminho onde andou nos recantos do teu
E o luar se apagou e a noite emudeceu
O frio fundo do céu foi descendo e ficou.

Mas a mágoa não mora mais em mim
Já passou, desgastei para lá do fim
É preciso partir.
É o preço do amor para voltar a viver.
Já não sinto o sabor a suor e pavor
Do teu colo a ferver, do teu sangue de flor
Já não quero saber.

Dá-me o mar, o meu rio, a minha estrada.
O quarto vazio na madrugada.
Vou deixar-te no frio da tua fala.
Na vertigem da voz quando enfim se cala.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Estrela

O contrário da amizade não é tanto a inimizade mas a estranheza. Dois amigos perdem a amizade quando deixam de se reconhecer um ao outro; quando optam por caminhos diferentes, habitantes de um mundo já que não partilham. E mesmo que tais caminhos se cruzem, como pode sempre acontecer, elescontinuarão a ser  distantes e irreconciliáveis. "Que havemos de nos tornar estranhos é a lei em cima de nós", escreve Nietzsche em A Gaia Ciência. "Pelo mesmo motivo, deveremos tornar-nos mais veneráveis um para o outro, e a memória da nossa amizade ainda mais sagrada". Este é um fragmento consolador no qual comecei a pensar quando me apercebi de que também tenho as minhas amizades antigas, alienadas, dependentes da mesma lei da Gaia Ciência. A consolação está em que eu também posso imaginar essas amizades perdidas como memórias ou estrelas que assiduamente me visitam. Deverei por isso respeitá-las.
in Sete Sombras